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segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Brasil e Teerã: de Lula a Dilma Rousseff

O que mudou?
A relação do Brasil com o Irã tem provocado uma grande surpresa em alguns lugares. Como potência regional e emegente mundial junto de China, Índia, Rússia e África do Sul, o Brasil tem se posicionado como um elo entre o primeiro e o terceiro mundo, capaz de exercer um construtivo papel global.


Só entre 2005 e 2010, o Brasil destinou 5 milhões de dólares à assistência global: US$ 3,200 mi em empréstimos e cancelamentos de dívidas a países pobres, e US$ 1,900 mi em ajuda humanitária, bolsas de estudo, capacitação técnica e outros. Internamente, alcançou feitos apreciáveis: será sede da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, sua economia cresceu notavelmente, e tanto Lula como sua sucessora Dilma Rousseff alcançaram altos índices de aprovação popular (Lula tinha 80% de apoio popular ao deixar o poder, enquanto que a primeira presidente mulher do país, ao completar os 100 primeiros dias do mandato, era apoiada por 73% dos brasileiros). Inclusive a Walt Disney Company ambientou um de seus últimos filmes animados - Rio - no Brasil!

No entanto, durante os trâmites finais do seu segundo mandato, o presidente Luis Inácio Lula da Silva pareceu dar uma reviravolta dramática, chegando a desafiar os interesses norte-americanos na região em vários aspectos e consolidando um vínculo com o Irã que parecia inconcebível pouco tempo antes. Da mesma forma que Hugo Chávez, Lula respaldou os questionáveis resultados eleitorais do Irã, convidou o presidente iraniano ao seu país e ele mesmo visitou Teerã. Também apoiou o direito do Irã ter um programa nuclear "civil", se opôs à aplicação de sanções contra o regime do aiatolá e iniciou um diálogo com Teerã que foi seriamente questionado por vários agentes globais. Durante a reunião da Assembleia Anual Interpol no Marrocos, em 2007, o Brasil se absteve na votação que validou a emissão de "notas vermelhas" contra figuras proeminentes do governo iraniano por sua relação com o atentado contra a AMIA na Argentina, república irmã do Brasil que havia iniciado o pedido. Novamente se absteve, em 2009, na Organização Internacional de Energia Atômica (OIEA), em Viena, quando foi debatida a questão nuclear iraniana contra a corrente dos votos favoráveis de Argentina, Estados Unidos, Rússia, China e União Europeia. Em maio de 2010, o Brasil se uniu à Turquia na tentativa de proteger diplomaticamente o Irã da iminente adoção de sanções internacionais promovidas por Washington. Inclusive em aspectos simbólicos desvinculados da questão iraniana, como visitar o túmulo de Yasser Arafat em Ramallah, mas negar-se a visitar o de Theodor Herzl em Jerusalém, durante a visita à região em 2010, pode ser apreciada a orientação ideologia que Lula havia dado à sua política exterior.

O Brasil de Lula também se absteve nas votações dentro da Comissão de Direitos Humanos contra Sri Lanka, Congo e Coreia do Norte, embora tenha votado contra o Sudão no Conselho de Segurança. Lula definiu Chávez como "sem dúvida o melhor presidente venezuelano nos últimos cem anos", enquanto que sua última visita a Fidel Castro tenha sido marcada por um grande constrangimento ao coincidir com a morte de um opositor encarcerado em greve de fome. Lula, cujo Partido dos Trabalhadores foi um dos criadores do Fórum Antiglobalização (Social Mundial) de Porto Alegre, evitou ser premiado no Fórum de Davos (Econômico Mundial) alegando um impedimento médico de viagem de última instância. Além disso, Lula contrariou a Casa Branca ao apoiar a reincorporação de Cuba à Organização dos Estados Americanos (OEA), cuja Carta Magna apresenta de forma explícita que somente democracias podem ser membros; deu abrigo diplomático ao deposto presidente de Honduras e aliado chavista, Manuel Zelaya; protestou contra o acordo entre os Estados Unidos e Colômbia para o uso estadunidense de bases militares no país sul-americano; e adotou um tom público terceiro-mundista que contrastava com sua imagem anterior, mais moderada.

Ao assumir a presidência no início de 2011, Dilma Rousseff despertava dúvidas devido ao seu passado guerrilheiro e marxista. Sua proximidade a Lula, que a escolheu como sucessora, sugeria uma continuidade das políticas controversas de seu mentor. Mas seus primeiros passos na arena internacional resultaram ser muito mais centristas que aos de seu antecessor, pelo menos até agora. Seu passado feminista e de militante torturada por militares levou-a a condenar as práticas que vão contra os direitos humanos em Cuba e Irã, e quanto às últimas votações na ONU, Dilma fez com que seu país votasse a favor de estabelecer um relator de direitos humanos para o Irã e censurou o programa nuclear do país persa. Nomeou como chanceler Antônio Patriota, um ex-embaixador de Washington de boa reputação. Por outro lado, o EUA deu sinais claros de seu interesse em resgatar o legado de Lula. A Secretária de Estado, Hillary Clinton, esteve presente na posse de Dilma como presidente, em 1º de janeiro, o que com certeza a obrigou a limitar-se em sua celebração de ano-novo. O presidente Barack Obama viajou ao Brasil em meados de março, quando ainda estava em início o conflito armado na Líbia. Isso foi interpretado como um sinal de aproximação de Washington a Brasília, a primeira capital visitada num restrito cronograma que também incluía Chile e El Salvador. Incidentalmente, Lula foi o único ex-presidente brasileiro a não comparecer ao almoço oferecido em honra ao presidente norte-americano Obama no Palácio do Itamaraty.

Dilma condenou o bombardeio da OTAN sobre a Líbia e colocou obstáculos durante meses a uma condenação à Síria, promovida por Washington no Conselho de Segurança. Obama não apoiou as aspirações brasileiras de obterem uma cadeira permanente em tal Conselho, pois - somados aos conflitos comerciais - acredita que haverá tensão no relacionamento. No entanto, está claro que o Brasil de Rousseff se distanciou da diplomacia populista de Lula ao redor de Teerã.

Por Julián Schvindlerman / Mundo Israelita
Tradução: Jônatha Bittencourt

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