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segunda-feira, 3 de outubro de 2011

“Diálogo com Radicais do Islã é Inútil"


Ayaan Hirsi Ali é a mais famosa crítica não-ocidental do fanatismo islâmico. Em Infiel, ela conta sua infância e adolescência na Somália, Etiópia e Quênia, vivendo todos os rituais de uma família muçulmana (passando, inclusive, pela infibulação do clitóris).
Em Nômade, seu novo livro, a militante escritora conta sua experiência de adaptação à cultura dos EUA, país que escolheu para morar depois de receber ameaças de morte e ser perseguida por radicais muçulmanos por ter codirigido um filme, Submissão, sobre a opressão da mulher no mundo islâmico.

Seu livro Nômade é retrato de sua família, formada de imigrantes em pior situação que ela: uma prima tem aids, outra foi indiciada por tentar matar omarido e há ainda um terceiro parente que manda todo o dinheiro que ganha para alimentar o clã na faminta e caótica Somália. Por telefone, ela concedeu uma entrevista ao Caderno 2 em que fala de Nômade e dos obstáculos para o processo de integração dos imigrantes de países muçulmanos.

Em Nômade, você diz que, ao mudar para os EUA e restabelecer laços com sua família e parentes, descobriu que eles vivem numa situação tremendamente instável, não como uma família disfuncional do Ocidente, mas muçulmana, o que, segundo seu livro, torna a situação ainda mais complexa, pois famílias disfuncionais islâmicas podem ser, como você diz, uma ameaça real à vida ocidental. Em que sentido?
No sentido de que as crianças tendem a repetir os padrões culturais dos pais. Digo que está na dinâmica da vida muçulmana a chave para entender por que tantos jovens são atraídos pelo radicalismo islâmico. Pode ser que um ocidental nã acredite no choque entre valores ocidentais e islâmicos, mas com certeza isso não vale para os muçulmanos, que enxergam o Ocidente como uma ameaça real para o islã. Com essa paranoia, as famílias de imigrantes se isolam em guetos e não têm como reavaliar sua relação com o mundo ocidental. Os jovens, por se sentirem isolados, representam alvos perfeitos para o radicalismo islâmico, que não quer diálogo nenhum com o Ocidente. Com o crescimento da onda migratória no mundo muçulmano, pode-se imaginar o conflito que essas pessoas enfrentam.

No livro, você menciona três instituições ocidentais que poderiam tornar essa transição mais fácil para nômades: a educação pública, as igrejas cristãs e grupos feministas. Como vê essas instituições agindo contra radicais islâmicos?
No livro, apelo para indivíduos, embora fale de instituições. São eles que, ao manter contato com grupos de imigrantes, podem competir no mesmo nível do radicalismo islâmico, ao mostrar as vantagens de se viver numa sociedade que valoriza a liberdade individual e a tolerância. Sim, porque esses radicais têm, hoje, o monopólio das cabeças de nômades muçulmanos. Na Holanda, não era ninguém, mas pessoas que nem me conheciam me abrigaram e ofereceram oportunidades que eu desconhecia nos países muçulmanos pelos quais passei, onde só me restava ser submissa ao poder da violência. Os imigrantes muçulmanos acabam fazendo propaganda do fanatismo islâmico e é contra ela que eu acho que as três instituições mencionadas podem agir.

Somália é hoje um país de refugiados e, desde 2006, quando as milícias islâmicas tomaram parte da capital, a influência dos radicais cresceu de maneira vertiginosa, a ponto de a Al-Shahab crescer e controlar parte do sul. Como você vê o futuro do país?
Esse grupo fundamentalista recruta jovens criados num vácuo moral, usam até crianças em suas ações extremistas. Acredito que missões humanitárias possam ajudar não só a população faminta, mas transmitir outros valores morais diferentes  dessas milícias. Sou pessimista sobre a situação da Somália.

Você diz, em Nômade, que seu destino agora é a América e que o Ocidente tem de encontrar um meio de combater a guerra santa, o que significa enfrentar uma tradição de séculos. Você defende a intervenção em países islâmicos?
O mundo tem, hoje, milhões de nômades oriundos de países muçulmanos. O que fazer com eles? Ensinar valores que pregam o respeito à Constituição, às liberdades individuais e aos direitos humanos ou deixar que radicais façam a cabeça de crianças? Esta é a nossa batalha: lutar pela liberdade – de religião, inclusive. Não dá para defender valores tribais vivendo numa sociedade moderna. Ainda que seja ateia, acho que as comunidades cristãs podem ser aliadas úteis contra os agentes da jihad, promovendo alternativas espirituais. Não estou falando de intervenção em países muçulmanos, mas de educação.

Mas você teve de rejeitar até seu pai para se ver livre de uma educação que acabou renegando, chegando a abjurar a fé muçulmana para desgosto dele.
Não queria odiar meu pai, mas, se você quiser viver a sua verdade, a vida pode ser muito dolorosa. Minha educação foi na base da repressão, mas, no fim de sua vida, meu pai tinha muito respeito por mim, embora insistisse que voltasse à fé islâmica, recitando trechos do Alcorão no hospital. Disse a ele que não podia mentir, mas deixei- o falar, pois essa era sua forma de dizer que me amava.

Muitas pessoas classificam essa guerra entre fundamentalistas islâmicos e ocidentais como uma batalha entre o mundo arcaico e a modernidade. Como você a vê?
Essa é uma teoria de quase 20 anos, proposta por Samuel Huntington, que via na luta pela afirmação da identidade cultural e religiosa a causa dos conflitos que viriam a emergir no mundo globalizado. Acontece que sociedades tribais usam armas ultramodernas para combater a modernidade, o que me parece um paradoxo quase tão chocante quanto a crença que tinham os russos no comunismo como forma de resolver problemas que um regime político não soluciona. O problema é que os fundamentalistas islâmicos criam exércitos. É muito difícil ignorar essas armas ultramodernas que usam.




Por Antonio Gonçalves Filho para "O Estado de S. Paulo".
Domingo, 2 de outubro de 2011, Caderno2, D9.


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