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quarta-feira, 31 de agosto de 2011

América Latina e o reconhecimento do Estado Palestino

A Palestina pode acabar sendo reconhecida como
um Estado, mas não como um membro da ONU.
Setembro será um mês de tensos movimentos diplomáticos. Segundo anunciado oficialmente, a Autoridade Palestina (AP) apresentará à Assembleia Geral das Nações Unidas uma proposta para que a Palestina seja reconhecida como Estado membro com as fronteiras que existiam entre Israel e os Territórios Ocupados da Palestina antes da guerra de 1967.

Mais de 110 países já reconheceram o novo Estado. Israel e Estados Unidos insistem em voltar às negociações bilaterais como única via de resolver o conflito e declarar o Estado palestino. Os governos da Autoridade Palestina e Israel disputam uma dura luta diplomática tentando ganhar apoios, a favor e contra, em todo o mundo. O debate está tendo uma especial dimensão na América Latina, onde existem fortes comunidades judias e palestinas.

A AP considera inúteis os 17 anos de negociações desde a assinatura dos Acordos de Oslo. Israel continua colonizando territórios na Cisjordânia e na parte leste de Jerusalém, que os palestinos reivindicam como sua futura capital. Mas Israel considera como capital indivisível de seu Estado, desde que a conquistou em sua totalidade, em 1967. Entretanto, a população palestina segue vivendo em estado de ocupação militar, segundo o direito internacional.

Durante os últimos dois anos, o governo do presidente Mahmoud Abbas e o primeiro ministro Salam Fayyad colocaram em marcha um plano de construção das instituições estatais e de segurança pactuada com Israel. Segundo o Banco Mundial, a União Europeia, o governo dos Estados Unidos e outros doadores internacionais, ambos planos foram exitosos.

Devido ao fracasso das negociações e das tentativas do presidente Barack Obama em conseguir um acordo de paz, a AP planejou apresentar seu caso a favor do reconhecimento do Estado palestino perante as Nações Unidas. O processo não é simples. A Palestina poderia ser reconhecida como um Estado pela Assembleia Geral (como, por exemplo, ocorre com o Vaticano, Kosovo e Taiwan), mas não como um membro das Nações Unidas.

Para ser aceito como membro é necessário que o Conselho de Segurança recomende esta medida à Assembleia Geral e que pelo menos dois terços (128 países) votem a favor. O Conselho de Segurança é composto por cinco membros permanentes com direito a veto (Estados Unidos, Rússia, França, Grã-Bretanha e China) e dez membros não permanentes (atualmente Bósnia e Herzegovina, Brasil, Colômbia, Gabão, Alemanha, Índia, Líbano, Nigéria, Portugal e África do Sul). Os Estados Unidos já anunciaram que votarão contra. Possivelmente França e Grã Bretanha se abstenham.

Diante desta situação, possivelmente a Autoridade Palestina tratará de obter os votos necessários na Assembleia Geral para passar do atual status de "entidade" observadora que tem a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) a "Estado" observador. Outra possibilidade é que tente que o Estado palestino, reconhecido pela Assembleia Geral, possa ter acesso a ser membro da Corte Internacional de Justiça. Assim mesmo, os palestinos estudam outras vias jurídicas baseadas na Resolução 181 de 1948 que recomendou a divisão do território que estava sob mandato britânico.

Divisão de critérios
No caso latino-americano, Brasil, Argentina, Equador, Cuba, Venezuela, Nicarágua, Guiana, Paraguai, Costa Rica e El Salvador reconheceram o Estado palestino livre e independente com as fronteiras de 1967. Chile, Uruguai e Peru o reconheceram, mas sem menção de suas fronteiras, questão que consideram que deve ser negociada entre Israel e Palestina. O México manifestou seu apoio, mas não o reconheceu.

Por sua parte, a Colômbia se alinhou com a posição israelense. Ambos os países cooperam estreitamente em temas de inteligência e defesa. Em março passado, o presidente Juan Manuel Santos anunciou perante o Congresso Judeu Mundial, celebrado em Bogotá, que não reconheceria o Estado Palestino.

Os reconhecimentos se devem a várias razões: o crescente comércio entre alguns países da América Latina e o mundo árabe, a aproximação das duas partes a partir das Cúpulas América do Sul – Países Árabes que iniciaram em 2005; a maior independência da região em relação aos Estados Unidos nas últimas duas décadas e a liderança da diplomacia brasileira. O Brasil estreitou seus vínculos com o Oriente Médio. Em 2010, tentou mediar, junto à Turquia, um acordo com Teerã sobre seu plano nuclear e foi um dos primeiros países a abrir um escritório de representação diplomática em Ramallah (cidade que abriga a capital não oficial da Autoridade Palestina) em 1993, imediatamente após a assinatura dos acordos de Oslo.

Contra o reconhecimento
Ambas partes desenvolveram uma ativa diplomacia na região, com a presença de diplomatas israelenses e palestinos, e a mobilização das respectivas comunidades. O governo de Israel dispensou especial atenção ao Chile, Argentina e Brasil e não poupou críticas aos países que reconheceram a Palestina. Em junho, o vice-ministro israelense de Relações Exteriores, Danny Ayalon, pediu que se apoie a posição israelense durante a abertura da Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Em dezembro de 2010, o porta-voz do Ministério de Relações Exteriores de Israel, Yigal Palmor, indicou que os reconhecimentos de Brasil, Argentina e Uruguai são uma "interferência altamente daninha" e "absurda" de países que nunca participaram no processo de paz do Oriente Médio. “Nunca fizeram nenhuma contribuição (...) e agora tomam uma decisão que é completamente contrária a tudo o que foi acertado até agora”.

Em julho, o ministro israelense da Infra-estrutura, Uri Landau, realizou uma viagem por alguns países latino-americanos e solicitou ao governo do Chile que não respaldasse o reconhecimento do Estado palestino por parte das Nações Unidas. O Chile tem a maior comunidade palestina do continente, com cerca de 400 mil membros entre a primeira e a segunda geração. O primeiro ministro israelense, Benyamin Netanyahu, conversou com o presidente chileno, Sebastián Piñera, em finais de 2010, tentando evitar o reconhecimento. Por outro lado, a comunidade judaica do Chile expressou sua preocupação por um possível apoio do governo chileno à proposta palestina na ONU.

Na Argentina, onde reside uma ampla comunidade judaica de várias gerações, o reconhecimento por parte do governo provocou protestos da diplomacia israelense e do presidente da Asociación Mutual Israelita Argentina, Guillermo Borger.

Posições divergentes
Durante suas viagens, o ministro Landau e o vice-primeiro ministro Ayalon utilizaram três argumentos. Por um lado, que o único caminho são as negociações e não uma declaração unilateral; por outro, que o grupo Hamas poderia chegar a controlar um futuro Estado palestino e isso suporia incorporar à comunidade internacional um Estado terrorista. Em terceiro lugar, que os latino-americanos não conhecem bem a situação e que não deveriam opinar.

Mas alguns analistas israelenses consideram, contra a posição de seu governo, que um apoio nas Nações Unidas da proposta palestina de reconhecimento seria benéfico para todos. O ex-membro do serviço de inteligência de Israel e especialista em temas de segurança, Yossi Alpher, escreveu recentemente no jornal espanhol El País que uma resolução da ONU "outorgaria aos palestinos um Estado com as fronteiras de 1967 e sua capital, e o compensaria com várias vantagens para Israel. Ente elas poderia ser que a ONU reconhecesse Israel como Estado judeu como figura na Resolução 181 de 1947; o reconhecimento (pela primeira vez) de que a capital de Israel é também Jerusalém; insistir em que, a partir de agora, se negociem todas as questões pendentes; oferecer amplas medidas de segurança; pedir permuta de terras negociadas; fazer um acordo que, até que o Hamas aceite as condições do Quarteto para o Oriente Médio (Estados Unidos, União Europeia, Rússia e as Nações Unidas), Gaza não se considere parte do Estado palestino, e pedir aos Estados árabes que recompensem Israel pela criação de um Estado palestino com os aspectos de normalização e segurança contemplados na Iniciativa de Paz Árabe”.

Pressões israelenses
O caso de Honduras foi especialmente significativo. O presidente Porfírio Lobo Sosa declarou, depois de uma conversa com o ministro palestino de Assuntos Exteriores, Riyad Al-Malki, na qual trataram da possível cooperação econômica, que "é justo e legítimo que o povo palestino tenha seu território e sua identidade como Estado, é algo que é correto, assim como Israel o teve em seu momento, também é justo que os palestinos o tenham”. O governo israelense respondeu com uma atitude diplomaticamente muito agressiva.

O embaixador de Israel em Honduras e a diretora adjunta para a América Latina da chancelaria de Israel, Dorit Shavit, solicitaram, em um comunicado ao governo de Honduras, que se retratasse "em breve" em apoiar os palestinos para a "criação unilateral de seu Estado". Por sua parte, a organização cristã evangélica Ministério La Higuera, pediu ao governo de Lobo Sosa que retifique sua posição. Segundo seu site na internet, “o Ministério La Higuera é um instrumento que Deus utiliza para manifestar o mistério da unidade entre Israel e a igreja”.

O debate sobre o reconhecimento tem ecos também nas comunidades árabes e no mundo hispânico. A Liga Árabe agradeceu em dezembro a posição favorável à Palestina do Brasil e de outros países da região. Entretanto, o ex-presidente espanhol José María Aznar, junto com John Bolton, ex-embaixador dos Estados Unidos nas Nações Unidas durante o mandato de George W. Busch, e outros políticos, indicaram em julho passado que “a declaração unilateral de um Estado palestino e seu reconhecimento internacional seriam um grande erro”.

O caso palestino-israelense mostra que os países da América Latina alcançaram suficiente independência e maturidade para fazer parte de um debate internacional e se mover fora das alianças tradicionais, ter posições diferentes e mostrar que podem manter relações comerciais ou de segurança com Israel, mas também apoiar as reivindicações dos palestinos. Por sua vez, a presença de comunidades judias ou palestinas em vários desses países os impulsiona ainda mais a formar parte de um necessário debate internacional.

Por Mariano Aguirre, diretor do Norwegian Peacebuilding Resource Centre, em Oslo.
Via: Fonte: Radio Nederland Wereldomroep Brasil

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