Páginas

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Repensar a relação entre o Brasil e o Irã

O maior índice per capita no mundo de execuções, castigos
bárbaros como o apedrejamento, uma política de tortura e
estupro de prisioneiros políticos e leis que discriminam
cidadãos em função da religião.
Pense num país presidido por uma vítima de tortura. Agora imagine tal país junto a um governo despótico, onde há perseguição política e religiosa.

Imagine um governo com uma presidente que foi no passado prisioneira política e vitima de tortura. Agora imagine esse mesmo governo tendo relações diplomáticas estreitas e comércio de US$ 2,3 bilhões com um governo autoritário que considera as mulheres cidadãs de segunda classe e sujeita os seus cidadãos à tortura e à perseguição simplesmente em função das sua posição política ou religiosa.

Lamentavelmente, não é necessário imaginar, porque se trata das relações do Brasil democrático com o Irã, autoritário e teocrático.

Iranianos têm as mesmas aspirações que os brasileiros: democracia, direitos humanos e prosperidade.

Mas eles sofrem sob o governo despótico da República Islâmica, com o maior índice per capita no mundo de execuções, castigos bárbaros como o apedrejamento, com uma política de tortura e estupro de prisioneiros políticos e leis que discriminam cidadãos em função da religião: quem se converte ao cristianismo é sentenciado à morte, e os baha'is são perseguidos como "hereges".

Os brasileiros viram um exemplo da atitude do Irã há pouco tempo, quando um diplomata depravado em Brasília molestou crianças numa piscina pública. Depois de ser expulso do país, foi recebido com flores no aeroporto de Teerã, e o governo minimizou seu crime, falando em "mal-entendido cultural".

Se brasileiros são tratados assim, imagine como o Irã trata seus próprios cidadãos. E agentes iranianos já fizeram muito pior na América do Sul, como no ataque terrorista de 1994 contra o Centro Cultural Judaico em Buenos Aires, com 85 mortos.

A presidente Rousseff fez bem em modificar a política do Brasil, votando por resoluções da ONU que condenam o histórico de direitos humanos do Irã. Mas não basta. Enquanto os abusos não acarretarem custos reais, o governo iraniano continuará com suas políticas repressivas. O foco exclusivo na questão nuclear deixou na sombra o problema real: a luta dos iranianos pela liberdade.

O exemplo da transição do Brasil para a democracia é altamente instrutivo; o programa secreto de armas nucleares mantido pelo governo militar foi cancelado em 1990 porque governos democráticos não precisam de armas desse tipo para proteger sua legitimidade.

O Brasil deveria avaliar a política de proibições de viagem e congelamentos de bens adotada por outros países democráticos contra autoridades iranianas que violam os direitos humanos. A inclusão dos infratores numa lista avisa que um dia eles poderão enfrentar a justiça, quer no Tribunal Criminal Internacional ou dos tribunais nacionais de um futuro Irã democrático.

A lição da história é que aqueles que hoje são governantes podem perder o poder amanhã. Assim, precisam analisar as consequências de seus atos. A história ensina também que a luta de um povo pela liberdade acabará por prevalecer um dia, como prevaleceu no Brasil, e que quem combateu a tirania vai lembrar quem esteve ao seu lado.

É a hora de o Brasil mostrar solidariedade com o povo iraniano. De imaginar o dia em que a presidente Dilma apertará as mãos de um presidente iraniano democraticamente eleito (de preferência, uma mulher) para festejar os laços humanos que definem o destino comum das nações, além do cálculo limitado de interesses políticos e econômicos.

Por Payam Akhavan, 47, iraniano, professor de direito internacional na Universidade McGill, no Canadá. Foi promotor da ONU em Haia.

Tradução: Clara Allain / F
onte: Folha de S. Paulo

O Cessar-Fogo está aberto para a opinião de seus leitores. Caso tenha outro posicionamento relacionado à questão abordada acima, envie seu artigo ou indicação de matéria para editor@cessarfogo.com . Após a avaliação e aprovação do material enviado, ele será encaminhado para publicação.

0 comentário(s):

Postar um comentário

Deixe aqui o seu comentário.