Muitos assentamentos ilegais florescem e se multiplicam com apoio do governo e a supervisão do exército. |
Segundo uma velha expressão que define o caráter judaico, não há provas sérias que afirmem que os judeus assassinaram Cristo, mas com certeza o martirizaram e o acusaram progressivamente ao longo do tempo. Em nossos dias, a tão vangloriada justiça judaica de Israel dá a impressão de que está empenhada em transformar esse provérbio num preceito básico de doutrina e jurisprudência das suas decisões em casos relacionados com os direitos dos palestinos na Cisjordânia.
O início do século XXI coincidiu com a explosão em grande escala de colonos judeus em busca de apropriação e usurpação à força de terras palestinas, nas quais levantaram os conhecidos assentamentos ilegais na Cisjordânia. Olhando para o outro lado com a subentendida aprovação, os mais altos níveis governamentais, incluindo ministros, demonstraram seu consentimento enquanto que esses grupos apreendiam terras públicas e privadas com apoio material e orçamentário de instituições estatais de Israel e sob a proteção de seu exército.
Toda essa delinquência perfeitamente estruturada foi exposta no relatório de um promotor público aposentado, Talia Sazón, que sob encargo do primeiro-ministro Ariel Sharon apresentou, em 2005, um documento detalhado que revelava os truques e artimanhas destinados a esconder um delito sem precedentes que, levando em conta seus componentes mais importantes, quase poderia ser catalogado como "oficialmente organizado".
Ostentando um aparente estado de direito, o governo liderado por Ariel Sharon ordenou a implementação das recomendações de tal relatório: "Israel se comprometeu com o roteiro do presidente norte-americano George W. Bush. Na primeira etapa desse plano, determinou-se que Israel deve desmantelar os assentamentos ilegais que foram erguidos desde março de 2001. O governo de Israel cumprirá o seu compromisso" (Comunicado do governo de Israel, 13/03/2005). O passar do tempo demonstra que essa declaração não foi mais do que uma expressão "da boca pra fora", sem nenhuma intenção de cumpri-la. A maioria dos assentamentos ilegais não só deixou de ser desmantelada, mas até o dia de hoje florece e se multiplica com a ajuda governamental e a proteção do exército.
O fato de que um governo minta e confunda não é uma novidade, nem em Israel nem na maioria dos países do mundo. A situação fica muito mais complicada quando a justiça, a tão famosa justiça judaica de Israel, vê-se manchada quando trata de se insentar de verificar a aplicação de sentenças que estabelecem restrições no caso de usurpadores judeus de terras palestinas.
Os casos de Guivat Asaf e Migrón são um exemplo claro do que pode ser identificado como um sério desvio de comportamento da Corte Suprema de Justiça de Israel. Em 2006 e 2007, o grupo judeu Paz Agora e proprietários palestinos das terras usurpadas apresentaram um recurso de amparo diante do alto tribunal requerindo o desmantelamento dos assentamentos ilegítimos e a restauração da propriedade de seus autênticos proprietários. Os juízes reconheceram a razão do pedido e o governo se comprometeu em desalojar e desmantelar essas colônias nascidas de um despejo.
Nesse momento, saltaram à vista dois preocupantes sintomas do desmoronamento institucional do Estado de Israel. No primeiro sintoma, o governo demonstrou toda sua nudez e impotência de impor a lei para esses colonos judeus saqueadores de terras. Quanta vergonha deve sentir o povo judeu ao ver um alto ministro clamar, uma e outra vez, diante do alto tribunal de justiça por uma nova prorrogação para colocar em prática seu fracasso, dando sua duvidosa palavra de que justiça será feita em curto prazo. Com essas promessas já se passaram cinco anos e é provável que apenas sejamos testemunhas do prólogo dessa longa história. O último capítulo dessa farsa vergonhosa foi transmitida nessa semana*. Veja: "O Tribunal Superior de Justiça de Israel autorizou uma nova prorrogação do desmantelamento da colônia ilegal Guivat Asaf" (Ynet, 28/11/2011).
O segundo sintoma tem um significado muito pior. Parece que as ameaças mais recentes de projetos de lei despóticas de parlamentares pertencentes à bancada do partido de Netanyahu têm seu efeito sobre os juízes. Em seu afã de não provocar os sentimentos dos colonos judeus usurpadores de terras palestinas e também de manter uma imaginária paz interior, dá a impressão de que a justiça israelense está criando uma nova figura jurídica no momento de ditar ou verificar o cumprimento de uma pena a um delinquente convicto.
Assim como existe a cadeia perpétua para culpados de crimes horrendos, os colonos judeus que se apropriam ilegalmente de terras palestinas poderão receber "impunidade perpétua". A partir do momento que forem enquadrados como culpados na sentença do julgamento (usurpação de terras), os juízes aplicam uma pena (desmantelamento e restauração de propriedade aos seus legítimos proprietários), mas o cumprimento da pena tem sido postergado indefinidamente. Se o expropriador é judeus, outorga-se tempo ilimitado para "resolver" a situação.
O judaísmo sempre lutou contra todo tipo de impunidade. É hora de extinguir a abolição de "impunidade perpétua", salvo sob consideração de direito natural e exclusivo.
Por Daniel Kupervaser - jornalista argentino-israelense, diretor do blog Ojalá que me equivoque
Tradução: Jônatha Bittencourt
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