A invasão e a ocupação em nome do terrorismo demonstram a corrupção de democracias avançadas. |
A responsabilidade por assassinatos indiscriminados e torturas encomendadas de empresas militares "privadas" recai sobre o governo, o subcontratante. Assim sustentaram os advogados de defesa da empresa militar Academi, antes Blackwater, diante do tribunal estadunidense que resolvia o caso. Estava sendo atribuída à empresa o assassinato de 17 pessoas inocentes em 2007. Entre os mortos do massacre da Praça Nisur, em Bagdad, havia mulheres e crianças, o que fomentou um debate já aberto devido a outras violações graves de direitos humanos cometidas pelos contratados de empresas militares.
A empresa militar, a serviço do governo dos Estados Unidos, e seus contratantes se negam a revelar os termos do acordo ao qual acabam de chegar. Em seu país, os familiares das vítimas enfrentaram a imunidade que a chamada Ordem 17 concedeu, até 2009, aos militares no desenvolvimento do seu trabalho no Iraque. Essa imunidade faz parte de um sistema jurídico e judicial com limitações que questionariam a sua eficácia e a sua independência por ter sido criada precipitadamente num contexto de ocupação estrangeira. Os familiares das vítimas se viram obrigados a recorrer a um fórum onde o processo pudesse ser levado adiante. Por isso levaram a um tribunal norte-americano.
Como os fatos ocorreram em outro país com seu próprio sistema de justiça, teoricamente, e as vítimas tinham uma nacionalidade distinta, fica muito debilitada a relação entre a corte estadunidense e os fatos alegados no processo. Por isso tinha poucas probabilidades de obter êxito, da mesma forma que tem ocorrido com os solicitantes estrangeiros que invocam o Alien Tort Claims Act de 1789 para processar empresas multinacionais por violações de direitos humanos.
Responsabilizar o governo pela matança, como fez a Academi, demonstra cinismo por parte de uma empresa de mercenários com uma questionável autoridade moral por sua forma de atuar na região, de ganhar seus contratos e de orçamentar suas "necessidades". No entanto, reabre um debate fundamental para o direito internacional dos conflitos armados: a responsabilidade do Estado pela conduta de empresas que contratam outras em contextos de guerra e de ocupação militar.
A Blackwater, depois Xe Services e agora Academi, por meio de reapresentação e fragmentação para levar distintas filiais da empresa para paraísos fiscais, também conseguiu um acordo com os familiares de quatro contratados assassinados em Fallujah, em 2004. Também circulam vídeos na internet de corpos golpeados, arrastados, queimados e pendurados em pontes. As famílias das vítimas acusam a empresa de negligência e de não ter oferecido medidas suficientes de segurança aos contratantes num dos enclaves mais perigosos da chamada "insurreição" iraquiana. Parte da opinião pública não simpatiza com as famílias ao considerar que os salários dos seus falecidos justificam os riscos que correm nos entornos de Fallujah. Por isso há congressistas que se perguntam se os subcontratados realmente tornam mais barato os gastos militares com salários semelhantes. Também se analisa a possibilidade de responsabilizar o governo na hora de conceder contratos a empresas que não oferecem condições mínimas de segurança aos seus empregados, independentemente do salário que recebem.
O Departamento de Estado, o Departamento de Defesa e a CIA gastaram milhares de milhões de dólares do dinheiro público para contratar os serviços dessas empresas no Afeganistão e no Iraque, em situações de conflito armado e de ocupação militar. Diferentes investigações do Congresso dos Estados Unidos denunciaram que muitos desses contratos foram obtidos em concursos públicos com pouca transparência na apresentação das contratantes, quase sempre as mesmas. Também apresentaram relatórios que demonstram como as empresas contratadas inflavam os orçamentos para os seus serviços e que defraudavam o governo por milhares de milhões de dólares.
Essa face da invasão e da ocupação em nome da luta contra o terrorismo mostra não só a impunidade das empresas militares paraestatais, mas também a corrupção no sistema político de democracias avançadas. Com a perigosa dependência desenvolvida ao redor delas, foram beneficiaram pessoas que tinham contato com o governo e com interesses privados. Nem por isso deixam de atuar em nome do governo que as subcontrata, tornando-as paraestatais.
Por Carlos Miguélez Monroy - jornalista e coordenador do Centro de Colaborações Solidárias (CCS)
Tradução: Jônatha Bittencourt
O Cessar-Fogo está aberto para a opinião de seus leitores. Caso tenha outro posicionamento relacionado à questão abordada acima, envie seu artigo ou indicação de matéria para editor@cessarfogo.com . Após a avaliação e aprovação do material enviado, ele será encaminhado para publicação.
0 comentário(s):
Postar um comentário
Deixe aqui o seu comentário.