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terça-feira, 31 de março de 2015

O desafio do antissemitismo

Por Ari Shavit para o jornal israelense Haaretz.

Apesar da revolução sionista e de Israel ter se tornado soberano, continuamos sendo judeus. Enquanto judeus, devemos nos defender, e enquanto judeus devemos defender a justiça.
“Morte aos judeus” e uma suástica – pichação no chão da Catedral de Notre Dame, em Paris.   



Há alguns anos, publiquei um artigo contundente num dos principais jornais norte-americanos condenando o governo e o Estado de Israel por uma operação militar agressiva e malsucedida, em que centenas de milhares de civis tiveram de deixar suas casas e centenas de inocentes foram mortos.

Não tive dificuldades para publicá-lo. Fazer críticas a Israel garante um lugar de honra na mídia internacional. No entanto, não foi fácil ler algumas das entusiasmadas reações ao meu texto. Entre os que o aprovavam havia suecos defensores da paz e simpatizantes californianos, porém também pessoas indubitavelmente antissemitas.

Para minha surpresa, meu texto foi bem recebido por pessoas que adotam um posicionamento anti-Israel – de direita e de esquerda, cristãos e muçulmanos. Após ler suas cartas assustadoras, fiz uma promessa: nunca mais esquecer que pertenço a uma pequena nação perseguida, cujo desaparecimento é desejado por muitos no mundo. Terei sempre em mente que o Estado judeu, o povo judeu e os judeus enquanto indivíduos despertam impulsos sombrios em milhões de pessoas.

Nos últimos dois meses, testemunhamos tais impulsos saírem de controle. O antigo ódio voltou e com sede de vingança. Estudantes norte-americanos me contaram que nunca tinham sentido na pele o que estão vivenciando desde que teve início a operação Borda de Proteção – antissemitismo. Jovens britânicos relatam que jamais imaginaram que passariam pelo que seus pais e avós passaram – antissemitismo. E o mesmo se aplica à França e à Bélgica, evidentemente, à Espanha e à Hungria, ao mundo árabe muçulmano e a grande parte da Europa.

Tudo aflorou de uma só vez, as máscaras caíram. O repúdio legítimo à ocupação deu lugar à crítica injustificada a Israel, tornando-se um ódio maligno dos judeus. Várias das nações que enviaram os judeus de seus países para Auschwitz perderam todo o pudor. A fase de tolerância chegou ao fim, o ódio a Israel está de volta.

Não podemos ignorar o fato de que Israel deu aos novos antissemitas o que falar. Não há nada mais abominável do que um jovem palestino sendo queimado vivo num Estado judeu. Num Estado judeu democrático é simplesmente inadmissível que o ódio às minorias avance, com xenofobia violenta e vândalos em manifestações nas ruas. E as Forças de Defesa de Israel (IDF) devem fazer um uso mais cuidadoso e inteligente de seu imenso poder de fogo.

Contudo, nenhum dos pecados de Israel justifica o retorno do ódio. Winston Churchill bombardeou Dresden, Franklin Roosevelt bombardeou Tóquio e Harry Truman destruiu Hiroshima e Nagasaki. Nenhum homem decente no mundo acredita que graças a esses atos desproporcionais esses grandes líderes sejam criminosos de guerra. Bill Clinton atacou a Sérvia, Tony Blair atacou o Iraque e Barack Obama, o Afeganistão. Não há pessoa séria no mundo que considere que, por conta de tais ataques, a Grã-Bretanha e os Estados Unidos tenham agido sem legitimidade.

Tão somente quando Israel faz uso massivo de seu poder, somente quando é Israel a mostrar uma feição mais dura, a reação é a negação de seu direito de existir. Apenas quando os judeus agem do mesmo modo que qualquer outra nação faria diante de circunstâncias semelhantes, o resultado é a raiva de sua simples existência.

O antissemitismo gera certas obrigações. Primeiramente, lança um desafio às nações do mundo: não cometam o mesmo erro do passado. A cultura ocidental deixará de ser uma cultura se permitir que o velho ódio se sobreponha à razão novamente. Porém, o antissemitismo também lança um desafio aos israelenses, de direita e de esquerda. É mister que os nacionalistas finalmente compreendam que não somos uma China ou uma Rússia, não somos uma superpotência. Tanto em função de nossos valores quanto de nossas circunstâncias, não podemos viver apenas pela espada.

Os liberais, por sua vez, devem igualmente entender que não somos a China nem a Rússia, tampouco uma superpotência. Somos uma nação diminuta, formada por uma minoria, que está sob ataque, e combater o preconceito contra essa nação é o mesmo que combater o preconceito contra as minorias negra, gay ou yazidi. Apesar da revolução sionista e de Israel ter se tornado soberano, continuamos sendo judeus. Enquanto judeus devemos nos defender, e enquanto judeus devemos defender a justiça.

Tradução: Rua Judaica

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