Um dos maiores defensores da solução de dois Estados, escritor apoia
direito israelense de se defender, mas vê atual ofensiva como excessiva.
Para ele, quanto mais vítimas, melhor para o Hamas.
Amós Oz vê atual ofensiva israelense na Faixa de Gaza como fez em outros
conflitos recentes envolvendo o seu país: de forma crítica. Um dos
maiores defensores da solução de dois Estados, o escritor apoia o
direito de Israel de se defender, mas condena ações militares excessivas
– como, em sua visão, se tornou a atual.
Em entrevista à DW, o autor, que teve suas obras traduzidas para mais de
40 idiomas, demonstra ceticismo sobre o fim da guerra entre Israel e
Hamas. As atuais hostilidades, afirma, só vão parar quando uma das
partes estiver esgotada. E diz que Israel só tem a perder com essa
situação.
"Quanto mais israelenses morrem, melhor para o Hamas. Quanto mais civis palestinos morrem, melhor para o Hamas", afirma.
Amóz Oz: Eu gostaria de começar a entrevista de uma
forma diferente, apresentando uma ou duas perguntas aos seus leitores.
Posso fazer isso?
Deutsche Welle: Claro.
Primeira pergunta: O que você faria se seu vizinho se sentasse na
varanda do outro lado da rua, colocasse o filho dele no colo e começasse
a atirar em direção ao quarto do seu filho?
Segunda pergunta: O que você faria se seu vizinho da frente cavasse um
túnel do quarto do filho dele para o quarto do seu, com o objetivo de
explodir a sua casa ou raptar a sua família?
Com essas duas perguntas, eu passo a palavra para você.
Presumo que – assim como no caso da guerra do Líbano de 2006 e da
ofensiva de Gaza de 2009 – você apoia a atual ofensiva israelense à
Faixa de Gaza?
Não, eu só apoio respostas militares limitadas, e não ilimitadas, assim
como fiz em 2006 e, mais tarde, no último conflito em Gaza.
Qual é o limite para você?
Destrua os túneis de onde eles vêm e tente atingir estritamente alvos do Hamas, e não outros alvos.
Parece haver um problema aqui. Os túneis são um sistema elaborado e
difícil de se encontrar. As entradas estão escondidas em edifícios
públicos e privados, de modo que você teria que fazer buscas de casa em
casa, o que afeta os civis. O mesmo se aplica para destruir lançadores
de foguetes em áreas civis...
Bem, talvez não tenha jeito de evitar vítimas civis entre os palestinos
se o vizinho coloca o filho no colo enquanto atira no quarto do seu
filho.
A analogia da criança no colo é realmente adequada? Gaza é
densamente povoada, e as posições do Hamas estão inevitavelmente em
áreas civis.
Sim – e essa é a estratégia do Hamas. É por isso que Israel só tem a
perder nessa situação. Quanto mais israelenses morrem, melhor para o
Hamas. Quanto mais civis palestinos morrem, melhor para o Hamas.
Você considera a ofensiva terrestre atual limitada ou ilimitada?
Acho que em alguns pontos ela é excessiva. Não tenho informações
detalhadas sobre o que está realmente acontecendo na batalha, mas a
julgar por alguns dos ataques do Exército israelense a Gaza, acho que,
ao menos em alguns pontos, a ação militar é excessiva – justificada, mas
excessiva.
Então, qual é a sua sugestão?
Minha sugestão é uma aproximação com Abu Mazen [o presidente da
Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas] e aceitar os termos – que o
mundo inteiro já conhece – para uma solução de dois Estados e a
coexistência entre Israel e a Cisjordânia: duas capitais em Jerusalém,
uma modificação territorial de comum acordo, a remoção da maior parte
dos assentamentos judaicos da Cisjordânia.
Quando Ramallah e Nablus, na Cisjordânia, viverem em prosperidade e
liberdade, eu acredito que, mais cedo ou mais tarde, as pessoas em Gaza
vão fazer com o Hamas o que o povo da Romênia fez com Ceausescu. Eu não
sei quanto tempo vai demorar, mas aconteceria, simplesmente porque as
pessoas em Gaza teriam inveja da liberdade e da prosperidade dos seus
irmãos e irmãs na Cisjordânia, no Estado da Palestina. Na minha opinião,
essa é a solução, embora ela não possa ser implementada em 24 ou 48
horas.
"O mal supremo é a agressão e a única maneira de repelir a agressão é, infelizmente, pela força"
Você pode imaginar um Estado palestino que não seja hostil a Israel?
Plenamente. Acredito que a maioria dos palestinos não morra de amores
por Israel, mas eles aceitam, a contragosto, que os judeus israelenses
não vão sair de lá. Da mesma maneira que os judeus israelenses – a
contragosto – também aceitam que os palestinos estão aqui para ficar.
Essa não é uma base para uma lua de mel, mas talvez para um divórcio
justo, assim como no caso da República Tcheca e da Eslováquia.
Mas isso evoca a imagem de um Estado palestino com uma economia em
crise, um governo fraco que não consegue ser maior que grupos radicais e
que pode usar a hostilidade em relação a Israel para permanecer no
poder.
Isso depende da quantidade de apoio e ajuda material que o novo Estado
palestino receberia de Israel, dos países árabes ricos e do resto do
mundo. Muitas pessoas argumentam que a solução de dois Estados está
morta, dada a quantidade de assentamentos e estradas construídas na
Cisjordânia. Mas anos atrás, eu vi o primeiro-ministro Ariel Sharon
remover todos os assentamentos judaicos e os militares judeus da Faixa
de Gaza em cerca de 36 horas e sem derramamento de sangue. Não estou
sugerindo que isso se repetiria facilmente na Cisjordânia, mas acredito
que nada no mundo é irrevogável, exceto a morte.
No entanto, o governo de direita de Israel tem uma base de apoio forte entre os colonos judeus.
É um governo de direita apoiado por um partido centrista e pacifista
chamado Yesh Atid. E é está nas mãos desse partido centrista e
relativamente pacifista decidir o futuro do governo de direita.
Você fala de uma solução de longo prazo, mas o que poderia ser um acordo de curto prazo?
As atuais hostilidades só vão parar, infelizmente, quando uma das partes
ou ambas estiverem esgotadas. Esta manhã, eu li com muita atenção a
carta de princípios do Hamas. Ela diz que o profeta ordena cada
muçulmano a matar todos os judeus em todo o mundo. Ele cita os
Protocolos dos Sábios de Sião e diz que os judeus controlam o mundo
através da Liga das Nações e das Nações Unidas, que os judeus
ocasionaram as duas guerras mundiais e que todo o mundo é controlado por
dinheiro judaico.
Eu quase não vejo perspectiva de um acordo entre Israel e Hamas. Eu fui
um homem de acordos toda a minha vida. Mas mesmo um homem apaziguador
não pode se aproximar do Hamas e dizer: "Talvez haja uma solução e
Israel só existirá às segundas, quartas e sextas-feiras." O Hamas está
exigindo atualmente que o bloqueio à Faixa de Gaza acabe. Eu concordo
com isso. Eu acho que uma abundância de recursos internacionais, árabes e
israelenses deveriam ser direcionados para Gaza em troca de uma
desmilitarização eficaz. Esta é uma proposta que Israel deveria fazer
imediatamente.
Isso não seria um sinal de que de que lançar foguetes seja um meio viável de exercer pressão?
Se o retorno for uma eficaz desmilitarização da Faixa de Gaza, tenho
certeza que pelo menos 80% dos judeus israelenses vai endossar tal
acordo – mesmo no presente estado de espírito militante.
Você está entre os 85% dos israelenses que querem que a ofensiva
continue até que os objetivos estratégicos de destruir os túneis e
foguetes sejam atingidos?
A única alternativa para continuar a operação militar israelense é fazer
como Jesus Cristo e dar a outra face. Eu nunca concordei com Jesus
Cristo sobre a necessidade de dar a outra face a um inimigo. Ao
contrário de pacifistas europeus, nunca acreditei que o mal supremo no
mundo é a guerra. Na minha opinião, o mal supremo no mundo é a agressão e
a única maneira de repelir a agressão é, infelizmente, pela força. É aí
que reside a diferença entre um pacifista europeu e um pacifista
israelense, como eu. E se posso adicionar uma pequena história: um
parente meu que sobreviveu ao Holocausto nazista em Theresienstadt
sempre lembra seus filhos e seus netos que sua vida foi salva, em 1945,
não por manifestantes de paz com cartazes e flores, mas por soldados e
metralhadoras soviéticos.
Qual o efeito que as hostilidades constantes têm sobre as pessoas?
Um efeito muito ruim. Elas aumentam o ódio, o rancor, as suspeitas, a
desconfiança. Mas este é o caso de todas as guerras. É uma suposição
sentimentalista e muito comum a esperança de que, de alguma forma, os
inimigos vão começar a entender uns aos outros e a gostar uns dos outros
e, eventualmente, eles vão se conciliar e fazer a paz. Ao longo da
história, as coisas sempre funcionam ao contrário. Inimigos com seus
corações cheios de amargura e ódio assinam um contrato de paz de cara
feia e com sentimentos de vingança. Então, no decorrer do tempo,
eventualmente, pode-se conseguir uma melhora gradual.
Você escreveu há 50 anos que "mesmo uma ocupação inevitável é uma ocupação corruptora".
Eu não concordo comigo mesmo sempre, mas aqui eu ainda concordo. A
ocupação é corruptora, mesmo que isso seja inevitável. Brutalidade,
chauvinismo, estreiteza mental, a xenofobia são as síndromes habituais
do conflito e ocupação. Mas a ocupação israelense da Cisjordânia não é
mais inevitável.
Se você não tivesse começado a entrevista, eu teria perguntado: Como você está?
Bem, pessoalmente, eu não estou muito bem. Acabo de retornar do hospital
após três cirurgias e estou lentamente me recuperando em casa entre uma
sirene de ataque aéreo e outra. Quando as sirenes tocam, nós vamos para
o abrigo, esperamos por alguns instantes e, em seguida, tentamos
continuar as nossas vidas até o próximo aviso.
Você não conseguiu buscar abrigo em um hospital. Parece assustador.
Não, não é. Eu vivi uma vida longa e eu lutei no campo de batalha duas
vezes. Por isso, só o que é assustador é quando penso em meus netos.
Os israelenses podem se sentir seguros?
O quão seguro o povo judeu se sente neste planeta? Eu não penso sobre os
últimos 20 ou 50 anos, mas sobre os últimos 2 mil anos. Mas vou
dizer-lhe que a minha esperança e oração para o futuro de Israel é que o
país saia das primeiras páginas de jornal de todo mundo para
conquistar, ocupar e construir assentamentos na literatura, nas artes,
na música e na arquitetura. Este é o meu sonho para o futuro.
Fonte: Deutsche Welle